terça-feira, 28 de maio de 2019

Língua Puri


É POSSÍVEL REVITALIZAR UMA LÍNGUA INDÍGENA?

               IS IT POSSIBLE TO REVIVE AN INDIGENOUS LANGUAGE?
                                                                      
José Aristides da Silva Gamito

      A revitalização das línguas indígenas é um dos grandes desafios para a resistência dos povos indígenas na era pós-colonial. Voltar a falar uma língua que morreu, depende de muita pesquisa e de esforço conjunto. Por isso que muitas pessoas se mostram céticas em relação ao processo de revitalização de línguas. Porém, a história nos mostra que isso não é impossível. O caso do hebraico é um exemplo bem sucedido de revitalização de uma língua.
    Os judeus ficaram dispersos por várias nações durante dezessete séculos. O hebraico foi reduzido a uma língua litúrgica. Em 1880, iniciou-se um processo de retomada da língua. Isto se tornou possível porque intelectuais judeus introduziram a língua no uso secular, utilizando-a na rotina diária. Além disso, seus usuários permitiram a introdução de termos estrangeiros para a atualização léxica.[1]
  O hebraico é exemplo de um caso de uma língua morta que volta a ser o idioma de uma nação. O uso doméstico e cotidiano da língua gerou falantes nativos e, a partir de uma segunda geração, o processo de aquisição da língua tornou-se natural.
  Em condições semelhantes, há o caso do esperanto. A diferença é que esta é uma língua planejada e não pretende ter status de idioma nacional. O esperanto, geralmente, é falado como língua auxiliar e como segunda língua. Mas, o que aconteceu é que filhos de falantes do esperanto passaram a utilizar a língua de modo natural. Existem cerca de mil falantes nativos no mundo.
  Estes falantes nativos são chamados de denaskuloj. A naturalização do esperanto ocorre com filhos de casais esperantistas que falam línguas maternas diferentes. Ao usarem o esperanto como língua comum, os filhos a adquirem naturalmente. Este é um exemplo de como uma língua com predominância escrita pode se tornar uma língua oral e fluente.[2]
   Este esforço vem ocorrendo entre os povos indígenas brasileiros que deixaram de falar suas línguas originais. Vamos falar sobre o caso puri. Segundo Melissa Ferreira Ramos, a partir de 2012, os remanescentes da etnia puri começaram a utilizar as redes sociais para se encontrarem e fortalecer a identidade. Aos poucos, foi surgindo também o interesse pela língua. Os diversos grupos no facebook passaram a empregar termos, frases e até a construírem textos na língua puri.[3] Esta interação mostra um desejo de revitalização da língua.
     A partir do léxico e dos raros textos disponíveis, surgiram as propostas de retomada da língua. Um trabalho pioneiro e de grande valia neste processo é o Vocabulário Puri de Marcelo Sant’ana Lemos. Em 2016, como contribuição externa ao movimento, disponibilizei um material intitulado “Pequeno Manual de Gramática e Vocabulário da Língua Puri” com uma proposta de revitalização da língua a partir de reconstituição e de empréstimos de termos de línguas aparentadas.[4]
   Em 2018, o Movimento Txemím Puri publicou também uma ampla análise e proposta sobre a fonética e a morfologia da língua.[5] Este trabalho é um contribuição interna do movimento de resistência puri.
  A partir de uma convenção de uso comum da língua é possível retomar puri, mesmo com todos os desafios próprios deste caso. A falta de registro de textos inteiros nesta língua é um dos maiores entraves. Porém, se a opção for a reconstituição com empréstimos e por analogia das línguas próximas é possível, ao poucos, dar forma ao puri. Este é um trabalho de uma geração inteira, mas não é impossível!

Referências



OLIVEIRA, Catarina Gonçalves de Souza. Adaptação de empréstimos em esperanto. Dissertação de Mestrado. 146 f. Universidade de São Paulo, 2016.

RAMOS, Melissa Ferreira. Re-existência e ressurgência indígena:Diáspora e transformações do povo puri. Dissertação de Mestrado. 240 fl. Universidade Federal de Viçosa, 2017.

SZUCHMAN, Esther. O renascimento da Língua Hebraica e sua continuidade na Diáspora. Revista Vértices, nº 11. Disponível em: http://revistas.fflch.usp.br/vertices/article/viewFile/71/78. Acesso em: 28 jun. 2019.

                                                                      
                                                                      



[1] SZUCHMAN, Esther. O renascimento da Língua Hebraica e sua continuidade na Diáspora. Revista Vértices, nº 11. Disponível em: http://revistas.fflch.usp.br/vertices/article/viewFile/71/78. Acesso em: 28 jun. 2019.
[2] OLIVEIRA, Catarina Gonçalves de Souza. Adaptação de empréstimos em esperanto. Dissertação de Mestrado. 146 f. Universidade de São Paulo, 2016, p. 12.
[3] RAMOS, Melissa Ferreira. Re-existência e ressurgência indígena:Diáspora e transformações do povo puri. Dissertação de Mestrado. 240 fl. Universidade Federal de Viçosa, 2017, p. 153-158.