É
POSSÍVEL REVITALIZAR UMA LÍNGUA INDÍGENA?
IS
IT POSSIBLE TO REVIVE AN INDIGENOUS LANGUAGE?
José Aristides da Silva Gamito
A revitalização das
línguas indígenas é um dos grandes desafios para a resistência dos povos
indígenas na era pós-colonial. Voltar a falar uma língua que morreu, depende de
muita pesquisa e de esforço conjunto. Por isso que muitas pessoas se mostram
céticas em relação ao processo de revitalização de línguas. Porém, a história
nos mostra que isso não é impossível. O caso do hebraico é um exemplo bem sucedido
de revitalização de uma língua.
Os
judeus ficaram dispersos por várias nações durante dezessete séculos. O
hebraico foi reduzido a uma língua litúrgica. Em 1880, iniciou-se um processo
de retomada da língua. Isto se tornou possível porque intelectuais judeus
introduziram a língua no uso secular, utilizando-a na rotina diária. Além
disso, seus usuários permitiram a introdução de termos estrangeiros para a
atualização léxica.[1]
O hebraico é exemplo de um caso de uma língua
morta que volta a ser o idioma de uma nação. O uso doméstico e cotidiano da
língua gerou falantes nativos e, a partir de uma segunda geração, o processo de
aquisição da língua tornou-se natural.
Em condições semelhantes, há o caso do
esperanto. A diferença é que esta é uma língua planejada e não pretende ter status de idioma nacional. O esperanto,
geralmente, é falado como língua auxiliar e como segunda língua. Mas, o que
aconteceu é que filhos de falantes do esperanto passaram a utilizar a língua de
modo natural. Existem cerca de mil falantes nativos no mundo.
Estes falantes nativos são chamados de denaskuloj. A naturalização do esperanto
ocorre com filhos de casais esperantistas que falam línguas maternas
diferentes. Ao usarem o esperanto como língua comum, os filhos a adquirem
naturalmente. Este é um exemplo de como uma língua com predominância escrita
pode se tornar uma língua oral e fluente.[2]
Este esforço vem ocorrendo entre os povos
indígenas brasileiros que deixaram de falar suas línguas originais. Vamos falar
sobre o caso puri. Segundo Melissa Ferreira Ramos, a partir de 2012, os
remanescentes da etnia puri começaram a utilizar as redes sociais para se
encontrarem e fortalecer a identidade. Aos poucos, foi surgindo também o
interesse pela língua. Os diversos grupos no facebook passaram a empregar termos, frases e até a construírem textos
na língua puri.[3]
Esta interação mostra um desejo de revitalização da língua.
A partir do léxico e dos raros textos
disponíveis, surgiram as propostas de retomada da língua. Um trabalho pioneiro
e de grande valia neste processo é o Vocabulário Puri de Marcelo Sant’ana
Lemos. Em 2016, como contribuição externa ao movimento, disponibilizei um
material intitulado “Pequeno Manual de Gramática e Vocabulário da Língua Puri”
com uma proposta de revitalização da língua a partir de reconstituição e de
empréstimos de termos de línguas aparentadas.[4]
Em 2018, o Movimento Txemím Puri publicou também
uma ampla análise e proposta sobre a fonética e a morfologia da língua.[5]
Este trabalho é um contribuição interna do movimento de resistência puri.
A
partir de uma convenção de uso comum da língua é possível retomar puri, mesmo
com todos os desafios próprios deste caso. A falta de registro de textos
inteiros nesta língua é um dos maiores entraves. Porém, se a opção for a
reconstituição com empréstimos e por analogia das línguas próximas é possível,
ao poucos, dar forma ao puri. Este é um trabalho de uma geração inteira, mas
não é impossível!
Referências
LÍNGUAS
BRASÍLICAS: http://linguasbrasilicas.blogspot.com/2016/06/macro-je-lingua-puri.html.
OLIVEIRA,
Catarina Gonçalves de Souza. Adaptação de
empréstimos em esperanto. Dissertação de Mestrado. 146 f. Universidade de
São Paulo, 2016.
RAMOS, Melissa
Ferreira. Re-existência e ressurgência
indígena:Diáspora e transformações do povo puri. Dissertação de Mestrado.
240 fl. Universidade Federal de Viçosa, 2017.
SZUCHMAN, Esther. O renascimento da Língua Hebraica e sua
continuidade na Diáspora. Revista Vértices, nº 11. Disponível em: http://revistas.fflch.usp.br/vertices/article/viewFile/71/78.
Acesso em: 28 jun. 2019.
[1]
SZUCHMAN, Esther. O renascimento da Língua Hebraica e sua
continuidade na Diáspora. Revista Vértices, nº 11. Disponível em: http://revistas.fflch.usp.br/vertices/article/viewFile/71/78. Acesso em: 28 jun. 2019.
[2]
OLIVEIRA, Catarina
Gonçalves de Souza. Adaptação de
empréstimos em esperanto. Dissertação de Mestrado. 146 f. Universidade de
São Paulo, 2016, p. 12.
[3]
RAMOS, Melissa Ferreira. Re-existência e ressurgência indígena:Diáspora
e transformações do povo puri. Dissertação de Mestrado. 240 fl. Universidade
Federal de Viçosa, 2017, p. 153-158.
[5] Conferir em: http://kuaytikindo.blogspot.com/2018/
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