A HISTÓRIA DE VERMELHO
VELHO, DISTRITO DE RAUL SOARES/MG:
CONSTRUÇÃO
DE UMA REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA SOBRE O PRIMEIRO CENTENÁRIO (1837-1947)[1]
José
Aristides da Silva Gamito[2]
Resumo
O presente
artigo procurar construir uma referência bibliográfica sobre a história do
primeiro centenário do distrito de Vermelho Velho, município de Raul Soares
(MG), abrangendo o período de 1837 a 1947, abordar os primeiros habitantes,
fundação e desenvolvimento do distrito.
Palavras-chave:
Vermelho Velho, fundação, desenvolvimento.
Abstract
This paper aims to build a bibliographical reference
about the first century of the district of Vermelho Velho, municipality of Raul
Soares (MG), it includes a period from 1837 to 1947, focusing first
inhabitants, foundation and development of the district.
Key-words: Vermelho Velho, foundation, development.
1.
Introdução
A pesquisa e sistematização da
história do distrito de Vermelho Velho tiveram início com coletas de dados
realizadas por mim em julho de 2006. Depois nos anos de 2009 e 2010, José Alves
Frutuoso se juntou ao projeto. A partir desta parceria ficou pronto um texto
intitulado “Vermelho Velho: Memórias e Perspectivas”. O texto não foi publicado
por falta de patrocínio. A tarefa era registrar e sistematizar a história do
distrito de 1837 até os anos 2000.
A história regional apresenta
grandes desafios, principalmente, quando se trata de uma região com menor
importância econômica e política. Os registros são escassos e a oralidade
apresenta o desafio das divergências e da confiança sem provas documentais. Os
poucos arquivos existentes ainda apresentam resistências à pesquisa por parte
de seus responsáveis. De qualquer modo, muita informação pôde ser levantada e
tornou possível clarear as origens e o desenvolvimento do povoado. Um
levantamento pioneiro já tinha sido feito em 1965 por Jésus de Araújo Gomes. Em
parte, acolhemos a contribuição desse cronista.
Neste artigo destinado a uma
comunicação na Escola Estadual “Albano Pires”, em Vermelho Velho, a 14 de
setembro de 2018, optei por tratar dos 100 primeiros anos do distrito,
abordando os habitantes originários e antigos e o desenvolvimento econômico,
político e cultural do século XX.
2. Os habitantes originários de
Vermelho Velho e região
A
tradição oral nos transmitiu que na localidade onde atualmente é a “rua da
Estação” havia uma aldeia indígena e que eles foram dizimados por uma epidemia
de sarampo entre fins do século XIX e início do século XX. Apesar da notícia
que os índios remanescentes do Córrego do Boachá fossem botocudos[3], a
bibliografia especializada identifica todo o território como área de presença
puri. Ademais as recordações de puris trabalhando entre brancos, os casamentos
forçados, são narrativas presentes nas falas populares. A informação sustentada
por Santos[4] e
outros cronistas sobre Raul Soares pode ter razão porque poderia ter ocorrido
uma migração isolada de alguns botocudos já que eram nômades e viviam fugindo
da investida dos fazendeiros. De qualquer modo, boachá é uma designação de um subgrupo
e não de uma etnia indígena.
A
história da ocupação da região de Vermelho Velho se integra à história da
colonização de Minas Gerais. Os sertanistas vieram do litoral à procura de ouro
e de esmeralda, inclusive, mais tarde, em Vermelho Velho houve pequenas
atividades de mineração com pouco êxito. Porém, a ocupação da Zona da Mata é um
episódio posterior. Essa região somente foi colonizada depois do declínio da
atividade mineradora de Ouro Preto e adjacências.
O
príncipe dom João VI, através da Carta Régia de 13 de maio de 1808, declarou
guerra aos botocudos. As justificativas do príncipe regente para aldear os
indígenas à força eram as seguintes:
deveis
considerar como principiada contra estes Indios antropophagos uma guerra
offensiva que continuareis sempre em todos os annos nas estações seccas e que não terá fim, senão
quando tiverdes a felicidade de vos senhorear de suas habitações e de os
capacitar da superioridade das minhas reaes armas de maneira tal que movidos do
justo terror das mesmas, peçam a paz e sujeitando-se ao doce jugo das leis e
promettendo viver em sociedade, possam vir a ser vassallos úteis.[5]
Os
fazendeiros que se assentaram na região do rio Doce estavam frequentemente em conflitos
com os índios. Além de haver nesta região, uma disputa entre puris e botocudos,
os botocudos guerreavam também contra os fazendeiros invasores. Para facilitar
o cultivo das terras da região, dom João VI mandou dizimar os indígenas e
colocar os sobreviventes em aldeias controladas. A sua estratégia foi
subdividir a região do Rio Doce em seis divisões militares. Portanto, o
povoamento contínuo e permanente desta região dar-se-ia a partir de 1808.
Como incentivo para a ocupação da Zona da
Mata, o rei de Portugal passou a conceder sesmarias a fazendeiros, a intenção
era compensar a diminuição de impostos que ocasionou a crise da atividade
mineradora.[6]
O decreto de dom João VI de 22 de junho de 1808 ordenava a continuar a
concessão de terras com o fim de aumentar a agricultura e a povoação. Segundo
este documento, os atos estavam paralisados por falta de comunicação com o
Tribunal do Conselho Ultramarino.[7] Um
decreto de 1807 manda redistribuir as terras da Capitania de Minas Gerais.
Em
1837, Domingos Lana e Cassimiro Lana tomaram posse das terras da região de Raul
Soares. Em 1841, José Alves do Valle (1813-) adquire as terras onde atualmente
está situado o distrito de Vermelho. Este proprietário possuía duas sesmarias
em Vermelho Velho e Vermelho Novo. A segunda família a adquirir terras em
Vermelho Velho foi a família Quintão que veio de Conselheiro Lafaiete em 1840.
José Alves do Valle casou-se com Maria Joaquina Quintão que pertencia à aquela
família recém-chegada.
Segundo
fontes orais, Luiz da Costa e José da Costa vieram de Ubá e adquiriram as
terras que compõem o território de Vermelho. Essas terras foram divididas em
duas grandes fazendas. Luiz da Costa ocupou a porção norte onde se desenvolveu
a família Fialho, enquanto, José da Costa ocupou a outra porção onde se
assentou a família Lima. Portanto, as três famílias pioneiras parecem ter sido
Alves, Quintão e Costa.[8]
3.
A
criação da paróquia e do distrito de Vermelho Velho
Na
década de 50 do século XIX, Vermelho Velho era uma vila com dimensões notáveis
denominada Ribeirão do Vermelho. Mais tarde recebeu o nome de Freguesia de São
Francisco do Vermelho. Em 1852, Francisco Antunes da Costa e Maria Rita de São
José doaram as terras do atual distrito para a Igreja Católica, fato que
permite datar o início oficial do povoado. Em 1858, o Ribeirão Vermelho
tornou-se distrito pela lei provincial 875 de 4 de junho e, em 18 de novembro
de 1865, foi elevada à categoria de paróquia pela lei 1.246. Porém, em 20 de
julho de 1868, a sede da freguesia foi transferida para Santa Helena da
Cabeluda (atual Caputira) pela lei 1.547.[9]
Toda a região integrava o município de Ponte Nova.
Em
1882, a lei 2.915 de 25 de setembro devolveu a sede da freguesia, que tinha
sido transferida em 1868 para Santa Helena da Cabeluda, para o São Francisco do
Vermelho constituindo-o numa freguesia independente.[10] A nova freguesia tinha uma extensão de um
extremo ao outro de 56 a 63 quilômetros quadrados.
Naquela
década, São Francisco do Vermelho tinha 1.800 habitantes. Em 23 de setembro
daquele ano a lei 2.912 havia criado a primeira escola na localidade para o
sexo masculino.[11]
O padre mais antigo de que se tem notícia a trabalhar em Vermelho Velho é José de
Souza. Duas datas indicam sua presença em Vermelho em 1879 e 1884.
As
primeiras famílias que se assentaram na região derrubaram as matas para
agricultura. O ponto de ocupação foi no sentido de Raul Soares para Vermelho
Velho. Esses primeiros aventureiros atravessavam as matas seguindo os cursos
d’água. Havia grande risco de contrair malária (chamada de “maleita”). O
destino do comércio era Vila Rica. Produziam café, fumo, porcos e aves. O
comércio de suínos antecedeu a introdução do gado nessa região.[12]
4.
O
desenvolvimento do distrito de Vermelho Velho
O grande marco do
progresso para Vermelho Velho foi a passagem da estrada de ferro na década de
30. A economia estava se desenvolvendo e a ferrovia tornou-se uma solução
vantajosa para o comércio do café e de cereais.
Muitos
trabalhadores vieram para a região para a construção da estrada de ferro da
Leopoldina. A expansão das ferrovias era resultado de uma política do Império.
Este projeto de ferrovia iniciou em 1883, vindo a ligar Ponte Nova a Caratinga
a 12 de fevereiro de 1931. Uma linha de trem ligava Caratinga a Petrópolis
diariamente. Neste sentido, Vermelho Velho estava ligado à capital do país, Rio
de Janeiro, na época.
O
café que era vendido para Ponte Nova passou a ter escoamento direto na estação
de Vermelho Velho. O armazém Castro Mendes & Cia é um testemunho deste
período de prosperidade. Carmo Parente, Zizinho Mendes e Paulo Fernandes
criaram esta firma para a exportação do café. O distrito era um rico produtor
de milho, feijão, porco, frango e ovos. Segundo relatos orais, um só produtor chegou
a vender 7 mil arrobas de café naquela época. A extração de malacacheta próximo
à estação foi uma aposta dos empreendedores daquela época.
Entre
as décadas de 30 e 40, havia cerca de 40 lojas na sede do distrito. Havia lojas
de tecidos, sapatarias (2), alfaiatarias (3), produtos de granja (2), ferreiros
(2), barbearias (2) e armazéns (3).
A religião majoritária era o catolicismo
e naquela época de prosperidade levou a população a empreender a construção de
uma Igreja Matriz. Após 1934, a diocese de Caratinga construiu uma casa
paroquial e destinou um pároco para fixar residência. Em 1932, a agência dos
correios foi reinaugurada sob a direção de Diolinda Fialho Garcia. O cemitério
foi cercado pelo padre Antônio Gaspar de Sousa Coutinho (por volta de 42). O
padre Antônio Custódio Braga iniciou a construção da atual Igreja Matriz na
década de 40.
Padre
Braga teve um importante papel na história do distrito de Vermelho Velho, ele
liderou a primeira comissão a cogitar a sua emancipação. Ele criou o cinema e o
teatro. A arte teve bons apreços nesta
época. Havia duas corporações musicais. A emancipação não se concretizou por
causa de divergência políticas. Padre Braga encontrava-se numa situação de
oposição partidária.
A
prosperidade financeira se nota nas construções que ocorrem nas décadas de 50 e
de 60. Olarino Olímpio Pereira (Lico) foi um destaque da construção civil. Ele
foi responsável pela construção da Igreja Matriz São Francisco de Assis e pela
Igreja Presbiteriana.
As
Escolas Reunidas “Coronel Martha Pires” foi criada a 1º de fevereiro de 1960 e
14 de maio o fazendeiro Francisco Isidoro Pires doou um lote para construção de
um prédio escolar. Em 1965, a escola recebeu o nome de “Albano Pires” em
homenagem ao pai do doador do terreno. A inauguração da atual escola se deu a 7
de agosto de 1965. Inicialmente a escola só oferecia os primeiros anos do
ensino fundamental, passou a ofertar os anos finais em 1976.[13]
A
arte e o esporte sempre tiveram presente na história de Vermelho Velho. Na
primeira metade do século XX, o destaque maior pode ser dado à arte. Padre
Braga criou na década de 40 um cinema e um teatro. O distrito chegou a ter duas
bandas de música. Um registro fotográfico de 1918 mostra uma banda de música em
plena atividade. Assim como outro registro, datado de 1945, mostra o Salão do
Teatro realizando uma sessão musical.
Os
times mais tradicionais de Vermelho Velho vieram na segunda metade do século
passado. O América foi fundado a 13 de maio de 1946. À sua data de fundação
vinculou-se a tradicional Festa do Vermelhense Ausente que também é chamada de
Festa do América. O segundo time, o Cruzeiro, foi fundado em 1955.
Além
dos êxitos na economia, no progresso, na arte e no esporte, Vermelho Velho
logrou importante representação política no município de Raul Soares. Embora,
não sendo possível a emancipação sonhada na década de 40 pelo padre Braga e
seus companheiros, Vermelho Velho conseguiu eleger alguns de seus filhos ao
cargo de prefeito. A 3 de outubro de 1954, José Zeferino Pires foi eleito
prefeito. Em 1958, o segundo vermelhense eleito foi Carlito Ferreira Brandão.
Em 1962, foi Wilson Damião e em 1976, foi José Macário da Luz.
1.
Considerações
finais
Algumas
mudanças significativas ocorrem na década 70. O êxodo rural foi um acontecimento
de impacto em toda a região. A população do distrito de Vermelho Velho que era
19.624 (1965), reduziu para 9.902 (1978) e chegou a 2.625 habitantes em 2000.
Nos anos 80, a estrada de ferro foi paralisada. Na década seguinte, foi
substituída pelo asfalto.
Referências
FRUTUOSO, José
Alves. Os fundadores do povoado do Vermelho. Relato com base em fontes orais de
janeiro de 2010.
MINAS GERAIS.
Arquivo Público Mineiro. Lei 1.547 de 20
de julho de 1868. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras/brtacervo.php?cid=2536. Acesso a 01
ago. 2018.
MINAS GERAIS.
Arquivo Público Mineiro. Lei 2.915 de 25
de setembro de 1882. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras_docs/photo.php?lid=79598. Acesso a 01
ago. 2018.
MINAS
GERAIS. Arquivo Público Mineiro. Lei
2.912 de 23 de setembro de 1882. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras_docs/photo.php?lid=79602 . Acesso a 01
ago. 2018.
PASCOAL
Online. Breve História da Escola Estadual “Albano Pires” de
Vermelho Velho. Disponível
em: <http://portalraulsoares.blogspot.com/2015/05/breve-historia-da-escola-estadual.html>. Acesso a 01 ago. 2018.
[1] Comunicação proferida a 14 de
setembro de 2018 na Escola Estadual “Albano Pires”, em Vermelho Velho,
município de Raul Soares (MG).
[2]Bacharel e licenciado em
filosofia, mestre em Ciências das Religiões, membro do Conselho de Patrimônio
Histórico e Cultura de Conceição de Ipanema. Pesquisa história regional dos
municípios de Conceição de Ipanema e de Raul Soares.
[3] SANTOS, 2007, p. 7.
[4]
SANTOS, 2007, p. 7.
[5] BRASIL. Carta Régia de 13 de maio de 1808. Coleção de Leis do Império do
Brasil – 1808, v. 1, p. 37.
[6]LAMAS, Fernando Gaudareto. Conquista, conflito e ocupação na área central
da Zona da Mata mineira na segunda metade do século XVIII. XII Congresso
Brasileiro de História Econômica & 13ª Conferência Internacional de
História de Empresas.
[7] BRASIL. Decreto de 22 de junho de 1808.
Coleção de Leis do Império do Brasil – 1808, v., p. 58.
[8] FRUTUOSO, José Alves. Os
fundadores do povoado do Vermelho. Relato com base em fontes orais de janeiro
de 2010.
[9] MINAS GERAIS. Arquivo Público
Mineiro. Lei 1.547 de 20 de julho de
1868. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras/brtacervo.php?cid=2536. Acesso a 01 ago. 2018.
[10] MINAS GERAIS. Arquivo Público
Mineiro. Lei 2.915 de 25 de setembro de
1882. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras_docs/photo.php?lid=79598. Acesso a 01 ago. 2018.
[11] MINAS GERAIS. Arquivo Público
Mineiro. Lei 2.912 de 23 de setembro de
1882. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras_docs/photo.php?lid=79602 . Acesso a 01 ago. 2018.
[12]
FRUTUOSO, José Alves. O comércio no povoado do Vermelho.
Relato com base em fontes orais de janeiro de 2010.
[13] PASCOAL Online.
Breve História da Escola Estadual “Albano Pires” de
Vermelho Velho. Disponível
em: <http://portalraulsoares.blogspot.com/2015/05/breve-historia-da-escola-estadual.html>. Acesso a 01 ago. 2018.
Boa tarde José. Gostei do texto. Em contato com pessoas de Raul Soares, há alguns anos atrás, me falaram dessa referência aos Puris na história da cidade. No seu texto isso se reforça. Será que nos livros de batismo e óbito de São Francisco de Vermelho Velho teria algum registro de índios batizados?
ResponderExcluirBoa noite! Eu não fiz este tipo de pesquisa em Vermelho Velho. Os registros de batismo mais ainda estão na paróquia de Caputira. A paróquia de São Francisco do Vermelho pertenceu durante um período nos finais do século XIX a Caputira. Mas é algo interessante a verificar!
Excluir